12 abril 2008

Conhecimento "a priori" e "a posteriori"

O conhecimento a posteriori e a priori são modalidades epistémicas. Uma proposição é conhecível a priori se, e só se, pode ser conhecida sem o concurso da experiência empírica. Assim, 2 + 2 = 4 é uma proposição conhecível a priori porque posso conhecê-la recorrendo unicamente ao pensamento. Mas para saber que a água é H2O tenho de me socorrer da experiência empírica — não posso fazê-lo recorrendo unicamente ao pensamento. Dada a definição de analiticidade [uma frase é uma verdade analítica se, e só se, o significado das palavras que nela ocorrem e a sua sintaxe for suficiente para saber que é verdadeira], é fácil perceber que todas as frases analíticas exprimem proposições conhecíveis a priori. Pois se para saber o valor de verdade de uma frase analítica basta reflectir sobre o significado das palavras e a sintaxe da frase, isso significa que não é necessário recorrer à experiência empírica para identificar como verdadeira a proposição expressa.
Todo o conhecimento proposicional é uma relação entre um agente cognitivo e uma proposição que é por ele conhecida. Logo, também o conhecimento a priori é uma relação entre um agente cognitivo e uma proposição que é por ele conhecida. Assim, um modo mais rigoroso de definir conhecimento a priori é o seguinte:
Uma dada proposição é conhecível a priori por um dado agente cognitivo se, e só se, esse agente pode conhecer essa proposição sem recorrer à experiência empírica.
Posto isto, considere-se as seguintes duas frases:
1) Se Sócrates era um ser humano, era um ser humano.
2) Sócrates era mais pesado do que Platão.
Os recursos envolvidos para poder conhecer o valor de verdade destas frases diferem substancialmente. No primeiro caso, basta raciocinar; no segundo, é preciso recolher informações históricas sobre Sócrates e Platão. No primeiro caso, o agente cognitivo limita-se a pensar; no segundo, é preciso consultar documentos, testemunhos e estudos.
No entanto, para que alguém saiba que a primeira frase é verdadeira tem de compreender as palavras que nela ocorrem. Se um polícia chinês que nada saiba de português for confrontado com uma inscrição desta frase num bloco de notas de um presumível assassino, terá de consultar dicionários e gramáticas, ou falar com pessoas que saibam português. Só depois desta actividade empírica poderá o polícia chinês perceber que a frase é verdadeira. Todavia, isto não impede a frase 1, que exprime uma verdade lógica elementar, de ser conhecível a priori.
O conhecimento do significado das palavras, apesar de claramente empírico, não torna a frase 1 unicamente conhecível a posteriori. Continua a existir uma diferença crucial entre o tipo de experiência necessário para determinar o valor de verdade das frases 1 e 2. O conhecimento necessário para determinar o valor de verdade da frase 1 é meramente linguístico; o conhecimento necessário para determinar o valor de verdade da frase 2 é extralinguístico.
A experiência empírica necessária para compreender o significado das palavras não conta. Esta decisão não é arbitrária. Para determinar o valor de verdade de qualquer frase, seja ela qual for, é necessário ter um conhecimento, que terá de ser empírico, do significado das palavras envolvidas. Logo, se não aceitássemos a nossa decisão, a categoria do conhecimento a priori ficaria vazia. No entanto, é óbvio que há uma diferença substancial entre saber que se Sócrates era mortal, era mortal e saber que Sócrates era mais pesado do que Platão. No primeiro caso não temos de possuir qualquer informação factual além da linguística; no segundo, a informação linguística, só por si, não é suficiente para determinar o valor de verdade da frase. Logo, há uma distinção que deve ser mantida e que corresponde à divisão tradicional entre conhecimento a priori e conhecimento a posteriori.
Há uma excepção adicional. As verdades da aritmética e da lógica são, tipicamente, susceptíveis de ser conhecidas a priori. No entanto, podemos ser incapazes de determinar por puro raciocínio que uma fórmula como {(p v q) Λ [(p ® r) Λ (q ® r)]} ® r é logicamente verdadeira. Para determinar o valor de verdade desta fórmula, podemos ter de fazer uma tabela de verdade. Todavia, o conhecimento assim obtido é ainda a priori. Fazer uma tabela de verdade é uma mera extensão da capacidade de cálculo; nada diz sobre o mundo para além da tabela de verdade. Apesar de podermos ter de recorrer a papel e lápis para realizar alguns cálculos complexos, como equações ou fórmulas lógicas complexas, o resultado é conhecido a priori.
A teoria tradicional do a priori
Na tradição filosófica há aparentemente a ideia de que o que é conhecido a priori por um agente, não poderia ter sido conhecido a posteriori por esse agente. Kripke argumenta que esta ideia está errada. Os exemplos são muito simples: apesar de eu poder saber a priori que a soma de 2345 com 12445 é 14790 — porque posso fazer um cálculo mental —, posso também conhecer a posteriori este resultado, através de uma calculadora, ou perguntando a alguém que tenha feito o cálculo.
(…) Como vimos, o conhecimento é uma relação entre agentes cognitivos e proposições; logo, as proposições não são primitivamente a priori ou a posteriori — o que elas são é susceptíveis de serem conhecidas a priori ou a posteriori. A distinção pode parecer menor, mas é crucial para evitar confusões. Uma mesma proposição pode ser conhecida, pelo mesmo agente cognitivo ou por diferentes agentes cognitivos, de maneiras diferentes. Por exemplo, na escola, o meu professor pode ensinar-me o teorema de Pitágoras. O teorema foi por mim conhecido a posteriori. Mais tarde, depois de aprender mais geometria, posso demonstrar por mim mesmo o teorema; e quando faço isso passo a ter um conhecimento a priori do teorema. Mas há casos em que isto não pode acontecer; na escola aprendi também que Sócrates foi condenado à morte. Mas, por mais que pense, nunca poderei estabelecer a priori que isso é verdade.
(…)
Os filósofos tradicionais não mostraram qualquer interesse no facto de uma proposição conhecível a priori ser também conhecível a posteriori porque talvez estivesse subentendido que estavam a falar unicamente de «conhecimento primitivo». Neste sentido, o teorema de Pitágoras, por exemplo, é conhecível a posteriori, mas não é primitivamente conhecível a posteriori; no princípio da cadeia causal do conhecimento, alguém teve de conhecer a priori o teorema de Pitágoras para depois o poder transmitir a posteriori a outra pessoa. Podemos assim dizer que apesar de as verdades conhecíveis a priori serem derivadamente conhecíveis a posteriori, nenhuma verdade conhecível a priori é primitivamente conhecível a posteriori.

Desidério Murcho

08 abril 2008

Conhecimento como crença justificada

O leitor tem várias crenças.

Mas qual das suas crenças é conhecimento, se é que alguma o é?
O que é o conhecimento?




O conhecimento não é mera crença. Se o leitor acreditar e afirmar que sabe algo e alguém acreditar e afirmar que sabe o oposto, então pelo menos um de vós tem de estar enganado. Quando duas pessoas acreditam em coisas contraditórias não podem ambas saber aquilo que afirmam saber. Pois uma das duas crenças tem de ser falsa. Acreditar meramente em algo, não importa quão ardentemente, não faz disso uma verdade. Para que se saiba algo, não temos somente de acreditar nisso; isso também tem de ser verdade. Mas será isto tudo o que é requerido? É o conhecimento mera crença verdadeira?
Suponha-se que alguém aposta regularmente em cavalos. Ele tenta sempre apostar em vencedores, mas raramente o faz. Contudo, está tão cheio de ilusória autoconfiança que sempre que faz uma aposta acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar. Nas raras ocasiões em que o cavalo ganha, saberia o apostador que o cavalo dele iria ganhar? Claro que não. Ele poderia sentir-se completamente confiante, mas isso é outra história. Para se saber algo, não se pode apenas adivinhá-lo, mesmo que se acerte, e não o sabemos por maior que seja a confiança que depositamos no nosso palpite. Assim, que mais é necessário para o conhecimento, além da crença verdadeira?
Não será ter provas a resposta? Isto é, para o leitor ter conhecimento não precisará de estar conectado com a verdade daquilo em que acredita através das provas ou razões que tem para acreditar nisso? E não terão essas razões ou provas de ser adequadas para justificar a sua crença? O que torna implausível dizer que o apostador tem conhecimento mesmo que aposte num cavalo vencedor é que ele não tem boas razões ou provas para pensar que o cavalo em que ele aposta irá ganhar. Em vez disso, o apostador ganha por sorte.
Mas o que é que são provas? Quando são as provas adequadas? Estas são perguntas difíceis. Para não nos desviarmos do nosso problema, pressuponha-se para efeitos de discussão que sabemos o que faz de um pedaço de informação uma prova a favor de uma certa crença. Pressuponha-se também que sabemos qual a quantidade de provas necessárias para sustentar adequadamente uma crença. E ao pressupor que sabemos esta última coisa, não elevemos demasiado as nossas exigências. Em vez de pressupor que para as provas serem adequados para o conhecimento terão de estabelecer conclusivamente a verdade da crença que suportam, pressuponha-se que as provas são adequadas quando tornam, nas circunstâncias em que existem, a verdade de uma crença mais provável do que o seu contrário. Se estes pressupostos estiverem errados, podemos sempre reformulá-los mais tarde. Aceitando-os por agora irá simplificar as questões e ajudar-nos a manter-nos na direcção certa.
O conhecimento pode ser mais (ou menos) do que mera crença suportada por provas adequadas. Mas se o conhecimento for pelo menos isso, então uma das coisas que devemos perguntar às nossas autoridades é que provas têm elas para as coisas que afirmam saber. E uma das coisas que temos de perguntar a nós próprios, quando aceitamos certas pessoas como autoridades, é que provas mostram que essas pessoas são competentes e fidedignas.

Daniel Kolak e Raymond Martin
Tradução de Célia Teixeira
Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia,
Temas e Debates, Lisboa, 2004, pp. 51-52.

Programação das AULAS DE FILOSOFIA - RTP Madeira com o Prof. Rolando Almeida

Podes aceder às aulas de Filosofia da RTP Madeira, lecionadas pelo Prof. Rolando Almeida (na foto), acedendo aos links abaixo.  TELENSINO (R...