11 dezembro 2007

Os sofistas

Foram grandes e inevitáveis as transformações que se deram no seio da cidade de Atenas. Eram constantemente postos em confronto os novos valores e os tradicionais.
Um dos grandes problemas sentidos era relativo à educação dos jovens que, num futuro breve, teriam de assumir a govemação.
«Qual era, de facto, o modo de formação tradi­cional? Ensinavam-se os jovens a ser bons cava­leiros, homens piedosos, respeitadores das divin­dades e da recordação dos antepassados.
Isso agora não basta! É preciso saber falar. A palavra é agora a técnica das técnicas, aquela que permite a cada um - na assembleia, nos tribunais - fazer valer o seu ponto de vista. É graças a ela que o cidadão pode defender a sua posição e a sua independência e assim impor-se na cidade.
A civilização da palavra - é assim que Aristó­fanes chama ao novo ensino. Abrem-se escolas pagas, dirigidas por metecos, as quais suscitam uma afluência considerável. Os mais ilustres destes mestres - Górgias, Protágoras, Hípias - não têm outro programa senão ensinar os seus alunos a falar bem acerca de tudo e de não importa o quê, a defender com persuasão não importa qual causa.
Aparentemente, este ensino não tem qualquer conteúdo; ele não impõe senão um enciclopedismo vago e engenhoso. Na realidade, ele provoca uma mutação importante: as assembleias municipais, a Pnice, onde se reúne a assembleia popular, os mercados onde cada um discute livremente aquilo que quiser, os tribunais - todos eles constituem lugares novos, onde o cidadão pobre, sob a garantia da lei, pode atacar o rico ou o nobre, não para o espoliar mas para exigir que ele partilhe os seus privilégios para o maior bem de todos [.. .]» (Chatelet)
Esta nova educação que se faz sentir vai ser preenchida pelos Sofistas, que não eram mais do que homens instruídos que têm conhecimento a vários níveis do saber. Estes não só se diziam possuidores de grande sabedoria como se diziam ser capazes de a transmitir aos outros. Interessa­vam-se muito pela linguagem, sobretudo pela gramática e a semântica, pois sabiam a importância que as palavras ocupam no discurso e que o encadeamento lógico das ideias é fundamental. Mas para ensinar levavam os seus honorários e esta é uma das grandes críticas que Platão lhes dirige.
Assim, iam de cidade em cidade vendendo o seu saber.
«Os sofistas são professores de artes úteis: ensinam técnicas. Eles apresentam-se como pos­suindo o conhecimento de tudo aquilo que é útil ao homem e vendem esse saber a troco de dinheiro.
No primeiro lugar dessas técnicas ou artes úteis brilha a retórica, a arte ou habilidade de fazer triunfar uma opinião, qualquer que ela seja. Os sofistas são retóricos à procura de sucesso, não são filósofos à procura de sabedoria.
Estes professores não se preocupam com a verdade de uma tese, nem é isso que eles ensinam. Eles ensinam a arte de fazer triunfar uma tese: a arte de persuadir, de vencer, de triunfar.
Trata-se de uma espécie de desporto intelectual, de competições, de jogos oratórios: o auditório é um júri que concede os prémios. Os sofistas ensinam a arte de convencer o auditório e ganhar esses prémios.»
(J.Vilatoux)
Platão fez igualmente uma crítica cerrada a esta «arte», como os sofistas lhe chamavam:
«A crítica da sofística - a sombra negra de Platão - enche metade da sua obra. 0 sofista, para ele, é o homem que ensina a técnica - e a moral - do sucesso, do gozo, da afirmação de si; que nega as noções, profundamente solidárias, da verdade e do bem objectivos.
0 ensino sofístico forma o orador público, essa falsificação do homem de Estado verdadeiro; ou seja, o homem capaz de arrastar a multidão com argumentos baseados não no saber - e como o poderia ele fazer, ele que nada sabe, que troça do saber e contesta a sua existência? - mas na verosi­milhança e na paixão. O orador público -o político -é o homem da ilusão, oposta à realidade, o homem da mentira, oposta à verdade.
0 sofista é a falsificação do verdadeiro filó­sofo, como o tirano é a falsificação do verdadeiro chefe de Estado. Ainda mais: a tirania e a sofística são solidárias, como o são, por seu lado, a filosofia e o reino da justiça na Cidade.
Parece-nos que não se compreenderá nada da atitude política de Platão se não o virmos descor­tinando no horizonte o espectro horrendo da tirania. Compreender-se-á mal mesmo a sua atitude filosó­fica se não se tiver em conta o facto de que, para ele, a tirania e a sofística são solidárias e que é o sofista que prepara o caminho ao tirano.» (Koyré)

Platão, Górgias, Fernanda Carrilho

TEXTO DE APOIO-Incompatibilismo: dois argumentos a favor do determinismo radical

TEXTO DE APOIO - A teoria determinista moderada de David Hume

06 dezembro 2007

A Retórica

Amada por uns e contestada por outros, a Retórica tem sido, ao longo dos tempos, alvo de «paixões» e de «ódios».
Para se perceber o que se entende por Retórica e qual o seu objectivo convém, antes de mais, determo-nos um pouco sobre o nome. Formado pela raiz «re», que significa dizer, e por «tórica», onde se subentende «arte», esta palavra serviu, inicialmente, para designar a «arte de bem falar». Renato Barilli vai um pouco mais longe" e afirma que é a «ocasião em que se usa o discurso da forma mais plena e total». Podemos considerar que esta tem por objectivo uma tríplice finalidade: «docere» (ensinar), «movere» (atingir os sentimentos) e «delectare» (deleitar).
A Retórica nasceu no século v a. c., em Siracusa, na Sicília, em virtude da necessidade da reivindicação de umas terras com as quais Gélon e Héron tinham reorganizado o espaço de Siracusa. Quando, algum tempo depois, foram depostos por uma subversão popular e se estabeleceu a democracia, os cidadãos reivindicaram as suas anteriores propriedades. A forma de julgar essas pretensões consistia em argumentar, discursando, diante de um vasto júri popular mobilizado para o efeito. A partir daqui acentua-se a consciência dos efeitos da linguagem e da necessidade de reflectir sobre a questão e, ao mesmo tempo, criar regras que permitissem construir o discurso com vista à persua­são. Deste momento até ao ensino da retórica e à constitui­ção de manuais foi um passo curto. Corax e Tísias apare­cem como os primeiros professores e é também a eles que são atribuídos os primeiros manuais de retórica.
Da Grécia passou a Roma, onde se destaca a figura de Cícero, entre outros. Os séculos foram passando e o uso da Retórica foi-se tornando cada vez mais frequente e sinónimo de erudição. Eis que no século XVIII e XIX surge um movimento anti-retoricista devido ao exagero de ornato presente nos textos, tornando-os não só de difícil compreensão como ocos de sentido. Estes viviam sobretudo da forma descurando, assim, o seu conteúdo. Nesta altura, falar em retórica era dar -lhe um sentido pejorativo. Expressões como «perder-se em divagações retóricas», «não passa de um discurso retórico» e «um mero exercício de retórica», entre outras, servem, ainda hoje, para desi­gnar um discurso cujo conteúdo é nulo. Tudo tem de ter o seu tempero adequado e o mesmo se passa com a retó­rica. Ela pode ajudar-nos a compor um belo texto ou então a «excessiva preocupación por la forma» de que nos fala Ascoli destruirá, por completo, a função desse mesmo texto. Para isso, este autor considera a Retórica como um cancro e Manzoni chama-lhe «a epidemia do século».
A retórica, tantos séculos após o seu nascimento, é hoje um corpo tão abrangente que serve não só para convencer como também para agradar, para combater como para deliberar, para raciocinar como para seduzir.
Longe das ideologias do Barroco e quase a entrar no século XXI, a Retórica é estudada nos estabelecimentos de ensino em toda a sua plenitude. Contudo, não quei­ramos, pelo seu uso exagerado, condená-la à agonia dos séculos XVIII e XIX.

Platão, Górgias, Fernanda Carrilho

04 dezembro 2007

Cá estamos de novo!

Depois de algum tempo sem actualização, devido a problemas técnicos, o Alfafilos volta a desenvolver a atitude filosófica.
Aqui fica um texto bem sugestivo sobre o livre-arbítrio.



Determinismo e Liberdade na acção humana
Qual a diferença entre as formigas-térmitas e Heitor?

Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedra? Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quitina que protege outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colecti­va contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é der­rubado, por causa de uma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir, as térmitas-operá­rio começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas-soldado saem em defesa da sua tribo e ten­tam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto as ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a ter­miteira derrubada... mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas.
Não merecerão estas formigas-soldado pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes?
Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme fora das muralhas da sua cidade Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte do que ele e que vai provavelmente matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém tem dúvidas: Heitor é um herói, um Homem valente como deve ser. Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Por que nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual é a diferença entre um e outro caso?

Fernando Savater, Ética Para um Jovem

Fico à espera das vossas respostas/comentários.

Programação das AULAS DE FILOSOFIA - RTP Madeira com o Prof. Rolando Almeida

Podes aceder às aulas de Filosofia da RTP Madeira, lecionadas pelo Prof. Rolando Almeida (na foto), acedendo aos links abaixo.  TELENSINO (R...